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Arte & manhas | Faz pra mim, pra você é fácil

Por: Luís Bogo
03/05/2023 16:58 - Atualizado em 03/05/2023 17:07

Desde muito cedo, por ter certa facilidade para escrever, me deparei com esta frase: - faz pra mim, pra você é fácil! – e ela aconteceu muitas vezes, do ginásio até a faculdade e mesmo em algumas redações e estúdios.

O que torna as coisas fáceis, em todas as profissões e atividades, é a prática. Talvez, quem sabe, um dia eu pudesse construir uma parede, abrir uma janela em outra ou consertar um telhado, mas gastaria um tempo muito maior do que um profissional qualificado para isto. As pessoas não têm coragem de pedir ao arquiteto, engenheiro ou construtor para que construam suas casas sem qualquer remuneração porque seria fácil para eles.

Porém, têm coragem de pedir ao escritor para que lhes escrevam cartas de amor, pedidos de demissão que não ofendam o patrão (pois querem deixar a porta aberta ao retorno), ou mesmo uma mensagem para a mãe no segundo domingo de maio.

Esta introdução de três curtos parágrafos (ia escrever preâmbulo, mas achei que seria pernóstico) teve apenas a intenção de demonstrar que nada é fácil. Colocar um tijolo sobre o outro para construir um muro pode parecer algo mecânico, mas ele precisará estar “no prumo” e bem alicerçado. Para que ele não apresente problemas futuros, o pedreiro ou empreiteiro, deve ter consciência do que está a fazer. E esta consciência é construída com observação, dedicação e experiência.

O mesmo acontece na construção de um texto qualquer, seja jornalístico ou literário. Com relação ao jornalismo, qualquer deslize pode comprometer a verdade. E, no caso da literatura, que é composta por cartas, poesias, crônicas, contos e romances, o uso das palavras ganha uma outra dimensão, pois estas obras sobrevivem por décadas ou séculos.

Vou citar apenas três exemplos. Em Primo Basílio, Eça de Queiroz escreveu: Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo-te a ti! Só a ti, minha pomba, porque tu és o único laço que me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a esta existência inútil. E Luísa tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante.

Em O morro dos ventos uivantes, Emeily Brontë deixou estas palavras no papel: Nunca lhe confessei abertamente o meu amor, mas se é verdade que os olhos falam, até um idiota teria percebido que eu estava apaixonado.

E Eduardo Galeano, em Mulheres, disse: Vou confundi-la com outras. Procurarei seu nome e sua voz e seu rosto. Sentirei seu cheiro na rua. Vou me embebedar e não adiantará, se não é com saliva ou lágrimas dessa mulher.

Busquei exemplos nas literaturas europeia e sul-americana para demonstrar que o mesmo sentimento pode ser traduzido de formas diferentes. Isto acontece nos livros e, também, na música. Porém, é certo que para nenhum dos autores foi simples buscar as palavras mais exatas e adequadas para transmitir o que sentiam. Esta capacidade, apesar de um ingrediente inato, vem de muita leitura, de muito estudo, observação e comparação.

Por isso tudo, não acho justo que alguém peça ao poeta ou ao escritor que escreva algo “de graça” porque para ele “é fácil”. Toda profissão envolve construção e conhecimento, agruras e eventuais recompensas.

No entanto, como o escritor não trabalha sob o sol, muitos não valorizam seu esforço em transmitir informação e sabedoria. E assim, a construção de um muro ou o conserto de uma torneira – porque produzem suor sob o sol –, acabam sempre por ter mais valor do que a construção de um livro de onde não jorrará água, mas conhecimento e, talvez, ainda, alguma poesia.

Quando me pedirem coisa do tipo, talvez eu vá tocar violino no telhado. De graça.


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